«Sempre é uma companhia»
O contador de histórias Manuel da
Fonseca oferece-nos no seu retalho de Alentejo a representação da distância
obliterada pela TSF. No início do conto, o Batola rumina, sonolento e murcho, a
irredutível solidão da peneplanície alentejana. Uma «nuvenzinha de poeira” ao
longe e o ronronar de um motor anunciam a peripécia que irá precipitar os
acontecimentos. Um vendedor de telefonias acerca-se da venda do Batola,
procurando convencê-lo a comprar uma. Apesar da resistência da mulher, a
personagem acaba por ficar com um modelo, à experiência, por um mês.
A abertura para o mundo, reúne os
moradores dispersos pela paisagem. O fim do mês depressa cai sobre os moradores
da aldeia, deixando-os merencórios. O conto tem o seu desfecho com a mulher do
Batola, que inicialmente fizera um ultimato -
ou ela ou a telefonia –, a assinar a paz, declarando com um brilho de ternura
nos olhos negros: «Olha… Se tu quiseres, a gente ficava com o aparelho.
Sempre é uma companhia neste deserto.»
Em 1949, o Sr. João António
Rodrigues Pereira, alentejano de Pias, envia um inteiro postal (IP) da série “Conheça
os seus prosadores” (com o selo impresso de Padre António Vieira) para os
Estados Unidos. A mensagem é prosaica. Solicita o envio gratuito do livro “Suas
Oportunidades em Rádio, Televisão e Eletrônica (sic)” e informação sobre preços
e condições de matrícula nos cursos por correspondência em língua portuguesa. Não
sei se o conterrâneo do Batola já era um aficionado do ensino a distância ou
se, também ele, quereria vencer a distância, derrotando a solidão.
Ao enviar o IP emitido em janeiro
de 1948, talvez tenha passado despercebida ao remetente a citação (truncada) do
“Leal Conselheiro” e, ainda mais, o poder introspetivo da prosa de o Eloquente.
A ironia suprema da situação, porém, está na reflexão sobre o sentimento
indizível da saudade («suidade»), cuja etimologia do Latim é «solitas, -tatis»,
derivada do adjetivo «solus, -a, -um», que significam, respetivamente, ‘solidão,
desamparo, retiro’ e ‘só, solitário’.
Em suma, reconheçamos: «Je suis
Batola. Nous sommes tous Batola”.
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