sábado, 28 de março de 2020

Série «CONHEÇA OS SEUS PROSADORES» - IP 111, #1


«Sempre é uma companhia»

O contador de histórias Manuel da Fonseca oferece-nos no seu retalho de Alentejo a representação da distância obliterada pela TSF. No início do conto, o Batola rumina, sonolento e murcho, a irredutível solidão da peneplanície alentejana. Uma «nuvenzinha de poeira” ao longe e o ronronar de um motor anunciam a peripécia que irá precipitar os acontecimentos. Um vendedor de telefonias acerca-se da venda do Batola, procurando convencê-lo a comprar uma. Apesar da resistência da mulher, a personagem acaba por ficar com um modelo, à experiência, por um mês.
A abertura para o mundo, reúne os moradores dispersos pela paisagem. O fim do mês depressa cai sobre os moradores da aldeia, deixando-os merencórios. O conto tem o seu desfecho com a mulher do Batola, que inicialmente fizera um ultimato - ou ela ou a telefonia –, a assinar a paz, declarando com um brilho de ternura nos olhos negros: «Olha… Se tu quiseres, a gente ficava com o aparelho. Sempre é uma companhia neste deserto.»

IP da série "CONHEÇA OS SEUS PROSADORES", emitido em janeiro de 1949, circulado de Pias (18 MAI 49) para  Los Angeles. Porte de 1$20 para bilhetes postais simples para o estrangeiro. Nº 111 do catálogo de Lamas e O. Marques (1985), IP #1 (A SAUDADE) - EL-REI D. DUARTE (Séc. XV).

Em 1949, o Sr. João António Rodrigues Pereira, alentejano de Pias, envia um inteiro postal (IP) da série “Conheça os seus prosadores” (com o selo impresso de Padre António Vieira) para os Estados Unidos. A mensagem é prosaica. Solicita o envio gratuito do livro “Suas Oportunidades em Rádio, Televisão e Eletrônica (sic)” e informação sobre preços e condições de matrícula nos cursos por correspondência em língua portuguesa. Não sei se o conterrâneo do Batola já era um aficionado do ensino a distância ou se, também ele, quereria vencer a distância, derrotando a solidão.
Ao enviar o IP emitido em janeiro de 1948, talvez tenha passado despercebida ao remetente a citação (truncada) do “Leal Conselheiro” e, ainda mais, o poder introspetivo da prosa de o Eloquente. A ironia suprema da situação, porém, está na reflexão sobre o sentimento indizível da saudade («suidade»), cuja etimologia do Latim é «solitas, -tatis», derivada do adjetivo «solus, -a, -um», que significam, respetivamente, ‘solidão, desamparo, retiro’ e ‘só, solitário’.
Em suma, reconheçamos: «Je suis Batola. Nous sommes tous Batola”.

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